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16 janeiro 2022

florbela espanca / caravelas

 
 
Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo a exilada.
 
Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
 
Se eu sempre fui assim este Mar morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!
 
Caravelas doiradas a bailar…
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...
 
 
 
florbela espanca
sonetos
livraria bertrand
1981




16 dezembro 2018

florbela espanca / ao vento




O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim, sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amar,
A tua voz tortura toda a gente! ...

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim ! ... Ó vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
E a gente andar a rir pla vida fora!! ...


florbela espanca
sonetos
livraria bertrand
1981






09 dezembro 2017

florbela espanca / tarde de mais...




Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E para o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...

Chegaste, enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia de oiro dos desertos
Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!...
E a minha boca morta grita ainda:
Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!...


florbela espanca
sonetos
livraria bertrand
1981



15 junho 2016

florbela espanca / fanatismo


Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...»
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."


florbela espanca
sonetos
livraria bertrand
1981